Dispersar

11 08 2010

Hoje, a liberdade chegou.
Eu, fluido viscoso saindo da caixinha,
Deixo hoje a gravidade escorrer-me com as arestas.
De pouco em pouco tomo a forma do chão gentil
que não exige fundura.
E posso esticar numa ambição de lonjura
E finiiinho ganhar a forma de todo meu horizonte
E depois dispersar

,

,

,

Em pedacinhos de nada,
Evaporar,
virar vento,
nuvem.
Ou nem pedacinho,
nem nada,

Por hoje só dispersar.
Porque hoje, a liberdade chegou.





Dessignificado

7 11 2009

Em uma hora, feito corredor.
Noutra, sigo encruzilhada.
ou rua bifurcada.

Hoje dessignificado,
torto, reto ou roto
sou todo labirinto.





The Gunner’s Dream (Waters)

12 10 2009

Floating down through the clouds
Memories come rushing up to meet me now.
In the space between the heavens
and in the corner of some foreign field
I had a dream.





O Nevoeiro

13 09 2009

Ao léu, tudo branco e turvo. O nevoeiro modificou meus olhos.

Insone, levemente embriagado, nenhum sinal de fome, disposto à névoa apesar de cansado.

Estas sensações que há dias me favoreciam à vigília certamente me preparavam para esta travessia silenciosa via láctea adentro. O nevoeiro vindo do topo da serra impedia a cidade de Guaramiranga de amanhecer. E eu pretendia adentrar cidade e manhã. Hesitei contemplando a nuvem branca que seria minha via sacra e senti que o tempo parou. Ou, ao menos, perdeu-se absorvido ali. Como meu corpo entorpecido e meus pensamentos desbotados, o tempo também estava ao léu.

O amanhecer não rompia o nevoeiro ainda que a noite não desse mais sinais. Meu primeiro passo naquela via branca não o rompeu, do contrário, à partir dos olhos, fui engolido por ele. Um ruído frio e (tenho certeza) leitoso furtava de meus ouvidos o estalar de meus pés – Até o som era nebuloso. O vento certamente compactuava com a névoa e seu movimento confuso me adormeceu a pele. Abandonado pelos sentidos, eu era apenas um punhado de pensamentos translúcidos, mas com pernas que buscavam um portão.
E de dar branco em meus pensamentos, imaginei-me nevoeiro, água brincando com vento, se confundido com a mata, com a cidade, com a estrada e com o cachorro que passa ou passava. Eu, nevoeiro,  brinquei com a luz do sol e com o tempo. Eu, nevoeiro, me confundi com a praça, com as casas e com as pessoas em seu sono. E sonhei, como pessoa, todos os sonhos e pensamentos. E delirei como se fosse um homem perdido buscando um portão.

Aquele delírio fez-se calafrio em mim, pois um homem perdido não deveria buscar um portão, pois ali haveria de achar. Achar como os homens, com sua curta extensão, acham, com uma suspeita, uma suposição. Eu, homem, disse ” eu acho…”  e ouvi o nevoeiro responder   “não busque”. E dominei meu delírio, sonhando então ser um homem que não procurava em meio ao nevoeiro e rapidamente o sonho acabou.

Micro-conto à espera dos quadrinhos…





Estrangeiro

19 06 2009

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Hoje à noite uma forte tristeza me abateu. Eu desejei desejar e percorrer a highway media-classe-feliz – uma longa, íngreme, alucinógena e alegremente previsível subida a um planalto muito abaixo das nuvens que envolvem o topo da montanha. O planalto é vazio e  seus inquilinos e candidatos nem sabem, nem o querem saber. Pescoços tortos, cabeças pra cima e as bocas abertas esperando que, das nuvens, alguém lhes cuspa algo que lhes acerte a boca.

Esta noite vi um amigo subindo a highway e ele me parecia tão feliz. Alguns têm vocação.

E o invejei. Não por sua aptidão ao sucesso, mas por sua capacidade de passar feliz pela vida.

Seja qual vida for.

A tristeza que se apodera de mim é parte inveja de sua estrada reta, é parte minha indisposição para ela que tão natural a mim haveria de ser.

Como seria maravilhoso! Gravata verde ou azul querida?! Coca-cola ou pepsi?!

E que melhor a felicidade dele, meu amigo, que é a de não saber que o é ou não o é.

Esta noite reparei num outro, já com pescoço torto, subindo a highway, torto de Beijar o asfalto. Alguns têm estupefação.

Ainda bem que reparei neste,  eu jamais quereria invejar meu amigo, e assim posso ainda me sentir engraçado com a ironia.

Mas passa,  toda graça me passa porque sou capaz de revisitá-la –  já sem sorriso. Porque sou todo torto, desgovernado de olhar pra todo lado. Consigo também desejar um fado que não desejo pra mim. Ora porque não sei que desejo mora em mim, Ora porque meu desejo não mora aqui.

Ora estrangeiro de mim, Ora estrangeiro do mundo. Todo errado.

E já lhe digo isso sem estupefação.

Sou poeta do tédio.

Além do comum, sou o possível da ladeira ao planalto.

Ora, quê mais há para se dizer quando até o estrangeiro é comum?





Madre Petrea

24 08 2008

um dia voltarei a ser dono das imagens que exponho

Eu passava em frente a uma casa onde vivi e senti meu corpo dizer que um dia já estivera à sua sombra. Hoje, porém não seria possível. A casinha de eira e beira dos anos 30 dava lugar às aresta de concreto, grades e cercas elétricas do século novo. Não seria possível porque seu teto fora derrubado para dar lugar a um novo pavimento. E até a vinda deste, seu útero seria profanado pelo sol, e, ainda sob a vil presença deste ao meio-dia, senti frio.

E como se minha epiderme começasse a fazer-se dum cimento espesso, afastei-me vagarosamente daquela visão, das ruínas de minha memória. E o fiz sem que ninguém desse por mim – isto talvez fosse mais um sinal de um homem apagado, desbotado: um mendigo, um mimético elemento da paisagem urbana, Duas vezes expulso do ventre da mãe.

Quem estava comigo: caminhos – Raul Seixas





Quem me responde que não a morte?

30 07 2008

O texto que se segue foi escrito em 2007 por conta da morte de um amigo em situação trágica de um atropelamento criminoso. Apesar de ter escrito no período, não ousei publicar apesar de ofertas a mim feitas, poi acreditava ser algo mais intimo à mim e à morte que à minha relação tão superficial com este amigo.

Ontem a noite morrera um amigo meu. Não que realmente meu amigo o fosse, mas o conheci a vida toda. Perdão, engano-me, ele morrera jovem e destes poucos anos, que sei eu mais de sua vida que da do jornaleiro que me saúda todas as manhãs? Estudávamos juntos, morávamos perto e nenhum sentimento fraterno nos aproximara de fato, mas a verdade mórbida me chegou aos ouvidos como uma sentença irrevogável para a minha distância: te afastastes de vez.

A morte me trouxe, ao fim, ao fim, a saudade daquele que passava despercebido há poucos instantes atrás. Por isso o chamo amigo.

A triste constatação, o finito, seguida de um afirmar feliz, o amigo, desvendaram o que se passa em mim. Eu percebi, todos os homens são ligados por uma tenebrosa fraternidade. Não existe distância, não há afastamento real, todos os peitos se apertam ao se encontrarem com o último intermediário entre o “eu” e o “outro”, a morte, a morte. E todos conhecem e se identificam com aquele quem morre, todos lamentam, por si ou pelo outro ou pelos dois. Esta é a aliança dos homens com seu fim, uma fraternidade, paradoxalmente, eterna.

Não me consolo com o fim. E se sinto falta de meu amigo agora, não o sentindo a tão pouco atrás, é porque um “vir-a-ser”, um amigo que teria, é mais concreto e feliz que qualquer “feito” macabro. De fato, a cada fim, a cada morte, a cada homem, a cada jarro de planta, a cada animal, a cada um que se vai ou se quebra sem que o tivéssemos tido, que o quiséssemos ter, nos faz querer tê-los ou, quando pouco, desejar querer: o vir-a-ser está no domínio da vida e sem aquele, esta não se faria.

As religiões, não entendem nada da morte. Que é o paraíso se não um vir-a-ser? Vir-a-ser, aliás, tão vivo que não poderíamos associar seu caminho àquela quem preside nossa funesta irmandade, à morte. Não! Todos os religiosos choram pelo fim de seus irmãos, posto que é um fim, e seus mitos saltam-no para uma outra fase, um outro vir-a-ser, mas não os trazem de volta. Um fim não tem depois. Aliás, o que a carta da morte, no tarô, o que esta carta e todas as outras, o que todos os arquétipos de Jung, o que todos os livros sagrados, o que todos eles sabem da morte do homem? Qual destes conheceu nossos anseios, infundados ou não, i-na-ca-ba-dos? Qual deles terminará o que estaremos a fazer quando ela nos levar?

Eis um anseio a mais que não sei se ela me deixará superar, eu não tenho respostas. Não me consolo com o fim porque de nada elas, minhas respostas, me valerão, mas ainda assim eu pergunto. Não me consolo com o fim porque não tenho mais a chance de perguntar a meu amigo, porque não tenho mais a chance de fazê-lo amigo.

Não me consolo com o fim posto que é fim e minha humanidade é eterna.

Meu amigo, quantas das tuas perguntas tereis respondido em tão pouco tempo? Quantas dúvidas tu deixastes para os vivos?

Quem estava comigo aqui: canto para a minha morte – Raul Seixas





Estado

11 07 2008

eu não sei mais ser.
quem eu era não existe,
pois eu só existo, sem jamais ter sido.
O tempo é um risco.
E eu “seria” tolo de afixar-me nele.

E longe deste precipício,

hoje estou forte e volátil,

como um rio em curso cego ou a face esperada de um dado.

Estou mutante,
até amanhã, enquanto o tempo não houver mudado.





Éimpossível, a solidão.

3 06 2008

Esta noite não fico recluso, pois mesmo os homens solitários, certas noites se sentem sozinhos. E consideram essencial a tolice de fazer-se entender por outro, um outro qualquer mesmo. Coisa que em toda vã, talvez os levem a crer que não se encontram reclusos à crua e humana solidão.

Quando a lua surge, caminho na sua trilha de luz e penumbra rumo ao encontro de qualquer um que me atenda o telefone. E antes que o destino se faça, consterno-me no rápido e banal encontro de passagem com um conhecido distante. Nome. Nem se quer me lembra o nome e eu que lhe descreveria toda a vida, mas os olhos que me cruzam, os pés que param seguidos de cumprimentos, consternam-me.

Certamente existo.

Mas eu precisava mais que de um pretexto, de algo mais para haver entendimento. E isto, isto é impossível. E somente com isto, posso voltar ao meu silêncio – sem trilha de lua e penumbra.

Ligo para alguém e o pulsar quase hipnótico do celular me arremete à dúvida da necessidade de olhos outros em confronto aos meus de origem solitária. A contradição não só reforça como é fundamental. É no contra-espelho da diferença onde se nasce e se renasce, porém se “é” e se morre sozinho. Nesta noite de luz-penumbra, ora em trilha, ora encruzilhada, a solidão é impossível, a solidão é necessária.

O telefone chama, como eu chamo a qualquer um. E falaria, e escreveria aos mil contatos destas ligações, sem que me entendessem. Afinal, as palavras estão sempre atrasadas à evolução do corpo que as produz. As palavras são um rastro à penumbra dos sentidos como a lua que, mesmo com os postes todos acessos, não cessa a escuridão da trilha.

Mantenho o pulso periódico do celular ao ouvido, mas torço que, quem quer que seja, não me atenda. A solidão é impossível bem como o entendimento, mas num ascendente silêncio, o importante é continuar caminhando.